Pessoas não Humanas: a luta pela ampliação dos direitos jurídicos de grandes primatas
Organizações de proteção aos animais lançam mão de petições de habeas corpus para salvá-los de maus-tratos
Por: Rico Boschi

A gorila Koko ficou mundialmente famosa por demonstrar incríveis habilidades de comunicação através de linguagem de sinais, sendo capaz de compreender e reter um vocabulário de mais de mil palavras. Sua prodigiosa história rendeu um documentário e até mesmo a visita do ator Robin Williams.
Além dessas habilidades, Koko se destacava também pela facilidade com que expressava suas emoções de maneira simbólica. Durante seus anos na Fundação Gorila, ela pintava e chegou até a adotar um gatinho que apelidou de all ball (“todo bola”, em uma tradução literal), provavelmente devido ao fato do felino não possuir calda. Quando seu amigo infelizmente faleceu vítima de um atropelamento, Koko demonstrou enorme tristeza, o que motivou uma campanha mundial para adoção de um novo gatinho.
Para o psiquiatra alemão Martin Brüne, não é novidade que símios sejam capazes de expressar sentimentos complexos e até mesmo apresentar distúrbios emocionais. Ele acompanhou, a convite da AAP – uma fundação holandesa de proteção a primatas e pequenos mamíferos abandonados por laboratórios científicos, circos e zoológicos mambembes da Europa – um grupo de cinco chimpanzés traumatizados por terem servidos durante muitos anos como cobaias em pesquisas biomédicas.
Suas observações permitiram concluir que alguns de seus comportamentos como dificuldade de integração com outros animais e isolamento em muito se assemelhavam à quadros patológicos como depressão e síndrome do stress pós-traumático, experimentados também por humanos.
Conscientes dessas particularidades apresentadas por espécies de inteligência elevada – chimpanzés, gorilas, orangotangos e bonobos – diversas organizações como a Great Apes Protection buscam transformar legislações pelo mundo, estabelecendo-os como indivíduos sencientes e por isso dotados de direitos jurídicos básicos como: direito à vida, à liberdade e à não-tortura.
E para quem pensa que isso está longe de acontecer, basta conhecer o caso da chimpanzé Cecília que, em 2015, foi beneficiada por uma decisão inédita do Poder Judiciário de Mendoza, região Oeste da Argentina, que concedeu a ela um habeas corpus para que pudesse deixar um zoológico em Mendoza e ser transferida para o Santuário de Grandes Primatas de Sorocaba, em São Paulo.
A decisão se apoiou em um precedente aberto tempos antes, em um caso também de concessão de habeas corpus envolvendo a orangotango Sandra, que também teve uma ação de ação de habeas corpus ajuizada em seu favor em 13 de novembro de 2014 junto à justiça federal criminal argentina por uma organização conhecida como AFADA (Asociación de Funcionarios y Abogados por los Derechos de los Animales). Em determinado trecho da petição, Sandra foi qualificada como “Pessoa não Humana” e que por isso deveria ter atendido o seu direito de transferência a um ambiente livre de maus tratos.
Essa é uma discussão relativamente nova e desafiadora para a transformação do ordenamento jurídico, mas demonstra um movimento da sociedade impossível de ser ignorado para a expansão dos direitos básicos dos seres sencientes. Tendo o aparato jurídico a obrigação de se adaptar às demandas da sociedade, a pressão por decisões semelhantes pode tonar esse expediente mais comum em um futuro próximo.
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